Quando abre os olhos, não vê o teto da casa escura. Vê um pedaço de céu por entre inúmeros copas de árvores altas que balançam com o vento. Pode sentir o cheiro de mato molhado, de terra úmida. Sente ainda a cabeça sendo acariciada, como sua mãe fazia quando era criança.
- Pior que calar a boca, é calar o pensamento.
Monsenir sabia que era um sonho. Falava deitado, numa floresta, num colo. Era colo de mãe sim. Inúmeras vezes viveu essa cena em sua infância.
- E agora? E agora, o que faço? Eles vigiam o que penso e falo, me torturam. A qualquer momento podem aparecer de novo... Não posso falar, nem em pensamento... *Esse silêncio todo me atordoa... Atordoado eu permaneço atento, para a qualquer momento, ver emergir o monstro...
- Não tenha medo, querido. Nós estamos do teu lado – a voz forte feminina era de sua mãe, mas era também de Agnar. Ressoa como uma carícia naquele sonho.
- Eu lutei muito para não dormir de novo... eles aparecem no meu sonho...
E ouve o barulho de alguém se aproximando, por entre as grandes árvores ao redor. Sente medo. E de repente, não era mais a mãe que estava ali. É inteiramente Agnar que lhe fala.
- Eu sei. Nós sabemos. Não tenha medo! Você é o melhor entre nós para manter o pacto, Monsenir. Você viveu um momento ruim, só isso. Um abalo na maneira como estava lidando com a situação, porque resgatou o que você sentia na guerra: o ódio pelos inimigos escorpiões. Não cultive esse ódio. Mantê-los sob controle, dentro do pacto, é mais importante que tudo neste momento. E você faz isso melhor do que eu fiz, do que Josah fez. Precisa aguentar mais um pouco. Só mais um pouco.
O barulho do movimento de gente na floresta aumenta, o som da mata sendo remexida se aproxima. Monsenir não tira os olhos da direção de onde vem o barulho e se levanta enquanto Agnar continua falando.
- Aquela guerra acabou. Agora, é uma outra. Sua mente é sua principal arma. E você é o melhor de nossos soldados. Você é o soldado entre nós. Precisamos que você volte à batalha pelo pacto. Não tenha medo dela. Não tenha medo também da ambição que tem, de comandar Nemansky. Ela é de grande valor! Para manter o pacto, para proteger Insag, até que ela seja abandonada. Precisa tirar todos da tribo, mas manter a tribo dentro de todos. E ecoar Insag para o mundo.
E de trás das árvores ele vê sair Marieh trazendo Haia pela mão. Ele sorri forte, levanta-se por inteiro. Algo o ilumina por dentro, por sentir sua mãe por perto, pelas palavras de Agnar, pela visão de Marieh com Haia e por uma energia que ele não sabia explicar de onde vinha.
Mas ainda havia barulho nas árvores, mais forte, mais alto. Alguém ainda estava por aparecer. E ele viu. Aquilo o fez tremer, mesmo em sonho: um sartânio, aparece, enorme, em sua altura desdobrada, sem as vestes tecnológicas que os mantém vivos na superfície. Nunca tinha visto um daquela forma. E era diferente, parecia mais gente que monstro.

Um susto lento e arrastado lhe corre pela alma, sente o medo percorrer lado a lado com aquela energia boa. Uma dubiedade de sentimentos... que cessa quando percebe um movimento inusitado: Marieh pega na mão do sartânio, amistosamente. Ao mesmo tempo, Agnar pega na mão de Monsenir e fala.
- Não tenha medo, Monsenir. Nem todos os humanos de Sideron têm as mesmas intenções. Nem todos os meta-humanos são protetores. Nem todos em Orion são santificados. Nem todos os sartânios são demônios. Dentro da singularidade de cada um deles, difícil de entendermos na grande distância que mantemos de sua raça, há conflitos. E há quem lhe ajude de lá.
Dentro de seu medo, havia surpresa. Depois da surpresa, houve alívio. Dentro do alívio, a motivação para continuar sua missão no front daquela guerra.
E então acorda, serenamente, no chão do corredor escuro que dava para a sua cozinha. Quase não diferenciou o sono da vigília, de tão sereno que foi aquele despertar. Fica por vários minutos lá, de olhos abertos na escuridão. Não enxergar a sua casa no breu o ajuda a manter uma luz acesa sobre sua memória, para que não se apague o que viveu no sono. Não queria esquecer aquele sonho.
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