Veothar finalmente entra no templo.
Depois de expulsar o sartânio de sua mente, subiu as escadarias. Postou-se sobre a soleira do grande portão que estava aberto. Aquele lugar era sagrado para os que creem em Ethar. Apesar de tudo pelo que passou e de todas as mudanças que ele próprio experimentou em sua fé, ainda era um lugar de regozijo. Tinha consciência de que estava em um sonho, uma projeção mental, mas ainda assim, o templo era reconfortante. Até mais que o real. Era o símbolo de um lugar de equilíbrio dentro de sua alma.
Ele de repente avista aquele seu guardião feito de luz, sobre o altar. O reconhece dos anos de solidão que vagava entremundos. Se emociona ao ver o conforto daquela luz dentro de seu templo-alma. Ao avançar no corredor pela nave central, entre os inúmeros bancos vazios e colunas, percebe-se observado por outro alguém. A luz guardiã, do altar, aponta para algo atrás de Veothar, que se vira lentamente e vê, na primeira fileira de assentos, a mais próxima do portão, uma figura também reluzente, sentada.
- Desculpe estar aqui! - fala o homem ao perceber que foi visto. Veothar tem dificuldade de reconhecer seus contornos, devido à luz que emite, tal qual o guardião no altar. Mas ao se levantar, aos poucos a luz se esvai, revelando-o.
- Um meta-humano! - reconhece Veothar. - O que faz aqui?
Estava com sua armadura especial de combate, com elmo protegido pela viseira espelhada. Ao sair da fileira de bancos e caminhar em sua direção, Veothar fica intranquilo. Assim como o sartânio, era algo que invadia o templo de sua alma. Não tinha controle sobre aquilo.
- Temos uma tecnologia que os homens não têm. Em Nemansky, pesquisadores clandestinos, como Eliar, deram o nome de Onicon. Serve para nos comunicarmos por sonhos. O sartânio a usou em você, até na vigília, para criar as ilusões em sua viagem até Insag. E também para enfrentar você há pouco. Eles precisaram usar uma carga extra em você. Estou usando agora, neste momento. Você é diferente. Há uma porta aberta em sua mente para uma dimensão invisível. O torna mais forte e consciente em suas incursões por essa dimensão.
- Eu sei do que fala. Doutora Eliar me habilitou para o Onicon. Sou um dos poucos em Sideron que pode usar aquela droga. Para nós, humanos, é uma droga. Não gosto da ideia de invadir sonhos.
Agora Veothar o via sem armadura, com uma roupa totalmente branca, como uma segunda pele, com apenas cabeça, pés e mãos de fora. Agora não estão mais no templo. Encontram-se na roda central de Insag, vazia.
- O que estou usando é um sistema Onicon clandestino, da própria Dra Eliar. Quando soube que você vinha a Insag, a procurei. Não falo como um oficial meta-humano, mas como alguém que precisa de você.
- O que quer? – pergunta Veothar observando o rosto do meta-humano, que tinha traços humanos normais, mas sem pelos nem melanina na pele. Era branco quase na cor de sua roupa.
- Há interesses entre os meta-humanos. Há grupos antagônicos. Não posso entrar em detalhes. Insag tem sido monitorada pela base Panteon há alguns anos. Meta-humanos que não poderiam saber agora sabem. Há uma base Escorpião abaixo de Insag.
- Uma base...
- Insag é uma proteção para os sartânios. Uma camuflagem energética que confunde nossos sensores. Além disso, é um povoado que serve de escudo, para que não sejam atacados. Pelas leis meta-humanas, não podemos colocar sideronianos em perigo.
- Quem é você?
- Fui procurado por Agnar, quando Josah ainda era vivo. Temos um conhecido em comum.
O ambiente muda novamente. Veothar se vê em um apartamento em Nemansky. Apesar de parecer um prédio velho, de poucos andares, o lugar era arrumado, mesmo que simples. Agnar estava em pé, encostada na janela aberta, entre as duas bandas da cortina estampada de flores, olhando a paisagem noturna da metrópole. Olhava a grande favela de casas amontoadas sobre pontes e ruelas de madeira fincadas à beira do rio que servia de esgoto. Apesar de se ver presente no apartamento, Veothar ainda ouve a voz do meta-humano.
- Nós, meta-humanos, conquistamos direitos diante da sociedade planetária de Sideron. Um deles é o de privacidade, o que abriu a possibilidade de desligarmos nosso monitoramento por um curto período. Isso me permitiu iniciar amizade com um sacerdote de Ethar, chamado Orsol. Minha curiosidade sobre as crenças humanas me levou a isso.

Veothar vê que Orsol e o meta-humano estão no mesmo apartamento. O sacerdote, um homem ainda jovem para os padrões da igreja - cerca de 50 anos - está sentado à mesa, enquanto que o meta-humano está em pé, a alguns passos atrás de Agnar. Parece esperar por uma reação da chefa de Insag. Agora Veothar ouve o diálogo que se passou há 13 anos.
- Você e Orsol são os únicos que sabem, além de meu pai e eu. Não sei mais a quem recorrer... Não posso aceitar a ideia de meu pai se submeter à Aliança Escorpião. Só confiei a você esta informação, porque confio em Orsol. Mas... não sei o que pode fazer... sem que machuque minha gente – fala Agnar insegura, ainda olhando a paisagem.
O meta-humano permanece impávido. Ela se vira e insiste com veemência.
- Não coloque Insag em risco! Por favor! Mas me ajude a livrar-nos deles!
- Não lute contra esse pacto, Agnar dos Nasir! Mantenha seu povo vivo! Manter a paz, neste momento, é melhor que os enfrentar. E mantenha esta informação no fundo da sua mente. Se os sartânios descobrirem que você conspira contra eles, eles vão se vingar. Não há forma de tirá-los de lá sem destruição.
- Não, você não entende. Meu pai sofre com isso, com este segredo e com as ameaças deles. Fale com seu comandante. Deve haver uma forma...
- Se Titan, meu comandante, descobrir a base sob Insag, ele vai atacar sem piedade! E não tomará conhecimento nem de Insag.
Foi o que aquele meta-humano falou a Agnar na época. Veothar se vê novamente na catedral, frente a frente com ele.
- Já monitorávamos Insag, assim como cada aglomeração humana de toda a Sideron. Até então, o bloqueio que a energia de Insag causava em nosso monitoramento estava funcionando. Cada pessoa é uma usina de energia. E essa energia é única, com padrão único para cada um. Mas há padrões que se repetem em cada espécie animal. Não havíamos detectado padrão sartânio devido às grandes vibrações humanas de Insag. Recentemente, depois da morte de Agnar, algo aconteceu. Eles têm intensificado suas vibrações lá de baixo. Sua chegada, Veothar, intensificou mais ainda, ao ponto de nossos sensores apontarem com clareza a presença sartânia.
- O que quer de mim? – pergunta Veothar.
- Eu não poderia ajudar Agnar a tirar os Escorpiões de baixo de Insag. Ao contrário. Eu tentei ao máximo evitar que o comando de Panteon descobrisse padrões energéticos dos alienígenas na região. Mas agora não pude mais esconder. Meu comandante sabe. E vai mandar uma missão à Insag. É questão de tempo. Isso significa um embate bélico, em plena Insag. Precisa tirá-los de lá, Veothar! Para salvá-los. Precisa tirar as pessoas de Insag.
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