Denominavam-se kampfas. Assim eram conhecidos os grupos humanos que viviam no continente central de Sideron onde hoje está assentada a nação Lisar. O processo brutal de miscigenação com os povos que invadiram a região – muitos séculos antes da Guerra do Universo - foi-se normalizando com o passar do tempo. Mas este normal dizia respeito ao histórico dominante das raças invasoras, que vinham de nações mais consolidadas, tanto do leste, como do oeste do mapa planetário.
A normalidade adotada levou os kampfas para a margem da história oficial da nação, contada pelos povos invasores, conhecidos como Klir. Ficaram na periferia das relações humanas e de grande parte do progresso. Não eram vistos e não se viam protagonistas de sua própria história. Depois da brutalidade das invasões que aconteceram há cerca de 600 anos, a normalização foi, na verdade, um processo de invisibilidade crescente. Depois veio uma lenta e dolorosa recuperação de sua autoestima e espaço social. Histórias individuais de sucesso foram acontecendo, mas sempre com esforço muito maior do que tinham as descendências de povos estrangeiros invasores.

Os Nasir se viam nesta invisibilidade, como todo descendente kampfa, marcados pela cor da pele mais escurecida, por traços característicos de olhos mais graúdos, cabelos avolumados, maçãs do rosto arredondadas, estatura baixa. Traços que não tinham uma constância mais tão marcante devido à miscigenação com outras raças, mas que os identificavam visualmente ainda. Pasir talvez seja em Insag um bom exemplo de fenótipo que manteve os traços kampfa sem miscigenações.
Andir, avô de Agnar e Marieh, foi um destes descendentes kampfa que se destacaram dentro da sociedade e chegou a uma posição de alta confiança no governo central em Nemansky.
E para chegar a tal posição, um kampfa deve ter o triplo de coragem e perseverança que a média. Imagine então a reação de Andir ao descobrir interferências tão absurdas na mente de seu superior, chefe de Lisar. Um fato muito dúbio, mal explicado e controverso ainda para população. Andir tinha um combustível de capacidade de indignação em suas atitudes suficientemente poderoso para ter a coragem de romper com o Governo, fazer a denúncia e tomar a drástica atitude de assassinar o chefe de governo devido ao que presenciou.
Mas ele era um kampfa, membro de um grupo social que normalmente não deveria estar ali. Foi desacreditado e condenado pela maioria. Ainda mais tendo a atitude controversa e deplorável de matar um ser humano, um chefe de governo, como ele teve publicamente. Agnar descende deste sangue, deste espírito, marginalizado, desacreditado, menosprezado, intimidado, subestimado, invisibilizado socialmente. E exatamente para lutar contra tudo isso, fortalecido internamente.
Na fuga de Nemansky e progressivo surgimento de Insag, Josah dos Nasir, junto com as outras casas que se juntaram, buscavam retornar suas raízes, sua cultura, seus costumes kampfa, perdidos ao longo dos séculos, miscigenações, dominações culturais, intimidações e vergonhas que acabaram internalizando frente a costumes tão poderosos de fora que foram-se consolidando em Lisar e, particularmente, em Nemansky.
É interessante ver a história dar espirais neste pequeno planeta. Há 600 anos, culturas mais estruturadas invadem as mais frágeis, as reprimem e ditam seu destino. Agora, há pouco mais de 40 anos, aquelas culturas dominantes do planeta são subjugadas por outras mais poderosas, estrangeiras deste mundo. E aqueles, invisibilizados durante 600 anos, são agora o melhor refúgio.
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