Ninguém que está no quarto da casa de saúde a vê de verdade. Vê seu corpo. Vomitando algo, parindo algo que não podem ver. Uma contorção e deformação corpórea terrível aos olhos dos vivos de carne. Antes, Agnar pronunciou, quase inaudível, um “sim, estou pronta”, respondendo a uma frase que ninguém ali vivo em carne escutou. Seu pai, Josah, também invisível aos olhos, foi quem pronunciou as palavras que só Agnar, já quase parida da matéria, teve capacidade de entender: “chegou a hora, filha”. O invisível Josah, junto com outros ancestrais, acolhe o espírito de Agnar agora nascido para o mundo que poucos vivos de carne veem.

A ainda criança Marieh está ali, presenciando. Uma visão triste, agoniante, devastadora. Em meio às reações de prontidão de alguns e desespero de outros, ali dentro daquele pequeno quarto, os profissionais de saúde agem. Tubos, máquinas, injeções, medições, massagens, nada tem mais a alta tecnologia que o país já dispunha em outras épocas, mas é o que há no momento.
A uma certa hora, outros profissionais tiram do quarto Monsenir, Mishna, Nelis e Marieh, todos aflitos e demonstrando reações diversas - dos desesperados choros de Nelis e Mishna às tentativas atabalhoadas de ajuda de Monsenir.
Marieh se mostra estática, apática, perdida, sem reação imediata. Assustada, temerosa, incompreensiva em relação ao que presenciava. Balbucia algo que não compreendia, chama a irmã, por fim, se retira de costas para a porta, não tira os olhos da cama tomada por gente fazendo coisas diversas com sua irmã, puxada pela tia, que é levada para fora por um assistente saúde sem muita preocupação com formalidades.
Ali dentro, todos os procedimentos da matéria são feitos, diversos, infinitos métodos, todos os que estavam ao alcance daquela medicina. Mas Agnar já não estava mais ali. O corpo era apenas um casulo abandonado, sendo mexido e remexido por procedimentos absolutamente inúteis. Ela agora estava com seus ancestrais, junto aos invisíveis.
Estar invisível aos olhos não era propriamente uma novidade da nova vida espiritual dos Nasir. Na matéria, também o eram. Há algo em toda a sociedade multicultural que torna alguns tipos mais esquecidos, mais desprovidos, mais levados à margem que outros. Os Nasir pertenciam, em parte, a um grupo de humanos, nativos daquela região, mas subjugados por outros povos, mais competitivos, mais necessitados de terras, mais necessitados de expansionismo que eles. É uma história de séculos, muito parecida com muitas de meu mundo.
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